A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Sophia de Mello Breyner Andresen
Momentos e documentos
Comecei a escrever numa noite de
Primavera, uma incrível noite de vento leste e junho. Nela o fervor do universo
transbordava e eu não podia reter, cercar, conter – nem podia desfazer-me em
noite, fundir-me na noite.
No gume da perfeição, no imenso halo de luz azul e
transparente, no rouco da treva, na quási palavra de murmúrio da brisa entre as
folhas, no íman da lua, no insondável perfume das rosas, havia algo de
pungente, algo de alarme.
Como sempre a noite de vento leste misturava êxtase e pânico.
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